Motivada pelo retorno do Brasil ao Mapa da Fome (ferramenta da ONU que mostra o número de pessoas que enfrentam a fome e a insegurança alimentar), a Assembleia Legislativa instalou, na manhã desta sexta-feira (31), a Frente Parlamentar em Defesa da Segurança Alimentar e Nutricional. A instância foi proposta e será presidida pela deputada Laura Sito (PT), que vê o espaço como privilegiado para discutir e ajudar a organizar “a transição de uma agenda de resistência para uma pauta de construção de avanços no campo da segurança e soberania alimentar.”
Para a petista, a frente representa mais do que um espaço institucional. É um instrumento, em sua opinião, para lutar pelo resgate das políticas públicas paralisadas pelo governo Jair Bolsonaro e para alavancar novos projetos no governo Lula, a partir, inclusive, das experiências capitaneadas nos últimos quatro anos por organizações da sociedade civil. É o caso das cozinhas solidárias, que socorreram parcelas vulneráveis da população durante a pandemia e continuam prestando auxílio após a retomada da normalidade.
Na abertura da cerimônia de instalação da frente, que reuniu autoridades federais e estaduais, além de representes de organizações e de movimentos populares, Laura frisou que a “fome é um problema político, distributivo e social, que tem cor e gênero”. Conforme levantamento apresentado pela deputada, a fome bate, em maior ou menor graus, em 65% dos lares chefiados por mulheres negras contra 30% dos domicílios comandados por brancas. Já quando se observa o corte de gênero, a relação é de 19,3% nas famílias lideradas por mulheres para 11% nas chefiadas por homens. “Isso é retrato que mostra o quanto a cor e o gênero também impactam a desigualdade salarial no país”, complementou.
FAO
As denúncias de lideranças políticas referentes à volta da fome ao Brasil foram confirmadas por dados da Organização das Nações Unidas para a Alimentação. A representante da FAO, Úrsula Zacarias, apresentou estudo que revela que 56 milhões de brasileiros enfrentam o problema. Para 19 milhões (desse total), a situação tem contornos mais severos. “O Brasil já saiu uma vez do Mapa da Fome. Acreditamos que o país sabe o que fazer e se empenhará para que isso aconteça novamente”, enfatizou.
Além da falta de comida, a qualidade dos alimentos que chegam à mesa da população também preocupa. A representante da Secretaria Nacional de Segurança Alimentar do Ministério do Desenvolvimento Social, Gisele Bortolini, revelou que os brasileiros estão comendo menos arroz, feijão, batata e ovos e aumentando o consumo de ultraprocessados. Outro dado preocupante, segundo ela, é o aumento nos últimos anos das pessoas que não fazem três refeições por dia. “Temos como tarefas tirar o Brasil do Mapa da Fome e instituir novos arranjos que permitam o acesso a alimentos em quantidades e qualidade adequadas”, anunciou.
Já a superintendente da Companhia Nacional de Abastecimento no RS (Conab), Luíza Rosalina Teixeira, sustentou que a retomada do Programa de Aquisição de Alimentos da Agricultura Familiar é fundamental para a construção de uma cenário de segurança alimentar no país. Ela revelou que a previsão é que o RS receba R$ 300 milhões do orçamento federal para operar o programa.
Fome no orçamento
Extinto no governo passado e reabilitado em fevereiro deste ano pelo presidente Luís Inácio Lula da Silva, o Conselho Nacional de Segurança Alimentar e Nutricional marcou presença no lançamento da frente gaúcha. De forma virtual, o conselheiro Anderson Amaro manifestou preocupação com a contaminação dos alimentos por agrotóxicos, muitos dos quais banidos dos países de origem, e defendeu o cumprimento do percentual mínimo de aquisição de gêneros da agricultura familiar para a merenda escolar com recursos do Programa Nacional de Alimentação Escolar (PNAE).
De forma complementar, o presidente do Conselho Estadual de Segurança Alimentar e Nutricional, Juliano de Sá, defendeu a “inclusão do povo que passa fome no orçamento do estado” e denunciou que, em meio ao aumento da miséria e da crise social, o orçamento do Rio Grande do Sul de 2022 destinou apenas R$ 50 mil para ações de combate à fome.
Ele defendeu prioridade para a construção de um programa nacional que reconheça as cozinhas solidárias, espaços de atendimento a moradores de rua e restaurantes populares nas comunidades como “pontos populares de soberania alimentar”, com habilitação para que possam receber recursos públicos para sua estruturação e para custear o trabalho que prestam. “É preciso garantir meios para que essas iniciativas, que estiveram na linha de frente do enfrentamento à fome na pandemia e quando os programas oficiais foram extintos, possam melhorar suas cozinhas e criar espaços para que as pessoas façam suas refeições com dignidade”, pontuou.
Também se manifestaram a deputada federal Reginete Bispo (PT/RS); a representante da Rede Cozinhas Comunitárias, Juraci Oliveira Soares; a dirigente da Rede Mulheres Negras para a Soberania e Segurança Alimentar, Noelci Homero; e a nutricionista Vanuza Rosa, entre outros.